Que é bem chato precisar quebrar uma parede para consertar um vazamento de água decorrente de um cano quebrado você já sabe.
Mas será que você sabia que, muitas vezes, isso é resultado de um fenômeno conhecido como golpe de aríete?
Pois bem, e o que é isso, exatamente?
Neste post, iremos responder a essa pergunta, aprenderemos também a calcular o golpe de aríete de uma tubulação e como evitar esse fenômeno!
Vamos lá?
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Conceito
De forma simplificada, golpe de aríete é o choque violento nas paredes de uma tubulação quando há mudança brusca no movimento do líquido, como, por exemplo, quando um registro é fechado.
Esse choque é resultante, sobretudo, da sobrepressão oriunda do interrompimento do escoamento do líquido e é absorvido pelos esforços de compressão da água e de deformação da tubulação.
Como a água é praticamente incompressível, dependendo da magnitude da sobrepressão resultante, o golpe de aríete pode provocar uma deformação tão acentuada que rompe as paredes do tubo, principalmente se ele estiver fragilizado.
Além disso, o barulho resultante do golpe pode ser muito incômodo, mesmo se não houver comprometimento da tubulação.
Agora, para ficar ainda mais claro, observe a animação abaixo.
Nessa animação, podemos observar que a água no tubo sofreu compressão com o fechamento do registro. Consequentemente, a energia de velocidade foi convertida em pressão, provocando a distensão das paredes do tubo, conforme a onda de pressão se propagava.
Essa onda, por sua vez, tende a alterar o sentido do escoamento, fazendo a água fugir para a extremidade não obstruída da tubulação.
Enquanto a água foge para o outro sentido, a pressão na região obstruída diminui e a água retorna a sua posição inicial. Esse ciclo, então, se repete até a pressão na tubulação se estabilizar.
Cálculo da sobrepressão
Pois bem pessoal, agora que já sabemos o que é, podemos aprender como calcular a pressão resultante do golpe de aríete para, como isso, sabermos o que fazer para minimizar seus danos.
Começaremos, então, a conhecer as variáveis de cálculo, a começar pela celeridade, a seguir.
Celeridade
A celeridade é a velocidade de propagação da onda de pressão na tubulação e é calculada pela fórmula de Allievi, abaixo:
\mathrm{C=\dfrac{9900}{\sqrt{48,3+K.(D/e)}}}
Onde:
- C é celeridade (m/s);
- D é o diâmetro da tubulação (m);
- e é a espessura da tubulação (m);
- K é um coeficiente (adimensional), tabela 1.
Sendo:
\mathrm{K=\dfrac{10^{10}}{E}}
Onde:
- K coeficiente (adimensional);
- E é o módulo de elasticidade do material da tubulação.
Tabela 1 – Valores de K para vários materiais
Material | K |
Aço | 0,5 |
Ferro fundido | 1 |
Concreto | 5 |
Cimento-amianto | 4,4 |
Plástico | 18 |
Para facilitar ainda mais, a tabela 2 abaixo expressa alguns valores de celeridade em função de K.
Tabela 2 – Valores da celeridade (C) em função do diâmetro e espessura do tubo
D/e | K=0,5 | K=1 | K=5 |
500 | 574,2 | 425,7 | 247,5 |
400 | 623,7 | 465,3 | 277,2 |
300 | 702,9 | 524,7 | 316,8 |
250 | 752,4 | 574,2 | 3468 |
200 | 811,8 | 623,7 | 386,1 |
180 | 841,5 | 653,4 | 405,9 |
160 | 871,2 | 683,1 | 425,7 |
140 | 910,8 | 722,7 | 455,4 |
12 | 950,4 | 762,3 | 485,1 |
100 | 999,9 | 811,8 | 524,7 |
80 | 1049,4 | 871,2 | 584,1 |
60 | 1118,7 | 950,4 | 653,4 |
50 | 1158,3 | 999,9 | 702,9 |
40 | 1197,9 | 1049,4 | 762,3 |
30 | 1247,4 | 1118,7 | 841,5 |
20 | 1296,9 | 1197,9 | 950,4 |
10 | 1356,3 | 1296,9 | 1118,7 |
Fase da tubulação
Fase nada mais é do que o tempo que a onda de pressão leva para ir e voltar de uma extremidade a outra da tubulação e se dá pela expressão:
\mathrm{τ=\dfrac{2.L}{C}}
Onde:
- τ é a fase da canalização (s);
- L é o comprimento (m);
- C é celeridade ou velocidade de propagação (m/s).
Tempo de manobra
Calculada a fase, é necessário comparar com o tempo de manobra de fechamento da válvula ou do registro.
Isso é feito porque, se o fechamento for muito rápido, o tubo ficará totalmente obstruído antes da atuação da onda de sobrepressão e, desse modo, o aumento de pressão na tubulação será máxima.
Classificação das manobras de fechamento
Desse modo, as manobras são classificadas, de acordo com o tempo de fechamento (t), em:
Manobra rápida (t < τ)
Na manobra rápida, o tempo de fechamento é menor que a fase da tubulação, resultando em um aumento de pressão máximo, calculado por:
\mathrm{h_a=\dfrac{C.v}{g}}
Onde:
- ha é o aumento de pressão (m.c.a);
- C é celeridade ou velocidade de propagação (m/s);
- v é a velocidade média da água (m/s);
- g é a aceleração da gravidade (m²/s).
Manobra lenta (t > τ)
Já na manobra lenta, o tempo de fechamento é maior que a fase da tubulação, resultando em um aumento de pressão em função de t e calculado por:
\mathrm{h_a=\dfrac{C.v}{g}\cdot\dfrac{τ}{t}}
Onde:
- ha e é o aumento de pressão (m.c.a);
- C é celeridade ou velocidade de propagação (m/s);
- v é a velocidade média da água (m/s);
- g é a aceleração da gravidade (m²/s);
- τ é a fase da canalização (s);
- t é o tempo de fechamento (s).
Como evitar o golpe de aríete
Bom, já sabemos como calcular a sobrepressão resultante do golpe de aríete de acordo com a velocidade de manobra. Mas saber isso é útil em quê?
Calcular o valor da sobrepressão para a sua tubulação é útil para prevermos se o material do tubo é capaz de suportar um golpe de aríete e, se não, quais providências devem ser tomadas.
Como o aumento de pressão é diretamente proporcional à velocidade de escoamento na tubulação, limitar essa velocidade é um das medidas possíveis para minimizar o golpe de aríete, mas não é a única.
Já vimos também que o tempo de fechamento da válvula ou registro influencia significativamente na golpe de aríete, desse modo, outra medida possível é utilizar peças que permitam um fechamento mais lento, além de dispositivos mecânicos especiais, cuja descarga impedem valores excessivos de pressão.
Outra medidas envolvem ainda a utilização de tubulações de espessura maior, a construção de tubos piezométricos e câmaras de ar comprimido, capazes de absorver os golpes.
Agora, vamos solidificar o que foi aprendido sobre golpe de aríete até o momento. Para tanto, propomos um exemplo prático bem simples.
Exemplo prático
Um condutor de aço, com 800 m de comprimento, 0,50 m de diâmetro e 8 mm de espessura, está sujeito a uma carga de 350 m. O registro localizado no ponto mais baixo é manobrado em 6 s. Qualificar o tipo de manobra e deperminar a pressão máxima, sabendo que a velocidade média de escoamento na tubulação é de 2,5 m/s.
RESOLUÇÃO:
Vimos no post anterior que o passo inicial para o cálculo da sobre pressão é determinar a celeridade, que é a velocidade da onda de pressão, vejamos:
Passo 01: Determinar a celeridade
Para calcularmos a celeridade, necessitamos antes saber o coeficiente da tubulação, que de acordo com a tabela 1 é 0,5, pois trata-se de uma tubulação de aço.
Logo, a celeridade é calculada por:
\mathrm{C=\dfrac{9900}{\sqrt{48,3+K.(D/e)}}}
\mathrm{C=\dfrac{9900}{\sqrt{48,3+0,5.(0,5/8\cdot10^{-3})}}}
\mathrm{C=1109,98\:m/s}
Passo 02: Determinar a fase da tubulação
De posse do valor da celeridade, o cálculo da fase da tubulação é calculado facilmente por:
\mathrm{τ=\dfrac{2.L}{C}}
\mathrm{τ=\dfrac{2.800}{1109,98}}
\mathrm{τ=1,44\:s}
Passo 03: Classificar a manobra
Como o tempo de manobra é de 6 s >1,44 s, tem-se que a monobra, neste caso, é do tipo lenta.
Passo 04: Calcular a sobrepressão
Como a manobra é lenta, a sobrepressão é calculada, então, pela expressão:
\mathrm{h_a=\dfrac{C.v}{g}\cdot\dfrac{τ}{t}}
\mathrm{h_a=\dfrac{1109,98.2,5}{9,81}\cdot\dfrac{1,44}{6}}
\mathrm{h_a=67,89\:m}
Passo 05: Calcular a pressão total
Portanto, a pressão máxima total, considerando também a carga geométrica do ponto mais baixo, será de:
\mathrm{P=H+h_a=350+67,89}
\mathrm{P=417,89\:m}
Desse modo, considerando uma manobra lenta, a tubulação de aço deverá suportar uma pressão de 417,89 m.
Para finalizar, essas foram algumas das considerações mais importantes sobre o golpe de aríete e esperamos que ter lhe ajudado.
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E se ficou alguma dúvida, deixe aqui nos comentários.
Até o próximo post.
Fonte:
NETTO, Azevedo; FERNANDÉZ, Miguel. Manual de Hidráulica. 9. ed. São Paulo: Blucher, 2015.
Engenheira Civil pela Universidade Federal do Piauí, engenheira de obra, perita judicial e pós-graduanda em Avaliação, Auditoria e Perícias de Engenharia.
Muito bom!!!
Obrigada!
Muito bom o artigo. Se entendi o fechamento do registro deve ser feito lentamente, certo? E quanto à abertura do registro qual o procedimento, ou seja, o procedimento deve ser o mesmo quanto ao fechamento?
Oi Acrisio, muito obrigada! Isso mesmo, recomenda-se também abrir lentamente para evitar o golpe de aríete.
Bom dia Dandara. Se possível me esclareça duas questões sobre o post. Ah, primeiramente parabéns, ótimo texto. 1) Existe tubulação que suporte esta carga: 417,89m? Se não qual a solução? 2) O grande problema dos transientes são as subpressões, neste caso, como calcular? Pois me parece que não seria apenas diminuir os 67,89m da altura geométrica, não é? Grato.
Oi, Marcos! Muito obrigada e suas perguntas foram ótimas. Respondendo à sua primeira pergunta, sim existe. Os tubos de aço, por exemplo, suportam altíssimas pressões. Os de PVC, entretanto, não suportam essa pressão. Já para a sua segunda pergunta eu irei fazer um post específico, tudo bem?
Tudo bem. Obrigado.
Na prática uma das soluções viáveis que faltou ela mencionar seria as perdas de cargas utilizando joelhos de 95º, isso em pontos estratégicos durante o percusso da sua tubulação, entretanto faria com que essa pressão diminuísse, não só joelhos, como também desvio de percusso. Outro ponto importante seria diminuir a altura de nível onde a sua tubulação está sendo abastecida.
Obrigada pelas informações, Matheus!