Se você já aprendeu a calcular a armação necessária de lajes nervuradas unidirecionais o próximo passo é verificar os estados limites de serviço (ELS). Nesse post verificaremos a deformação excessiva (ELS-DEF).
Limites e carregamentos de norma
A norma brasileira ABNT/NBR: 6118 (2014) informa, na Tabela 13.3, o deslocamento limite para aceitabilidade visual, que é 1 sobre 250 do vão. Sendo que, para esse limite, a norma indica que deve ser utilizado a combinação quase permanente:
\mathrm{F_D = F_G + \psi_2 \cdot F_Q}
Os valores de \mathrm{\psi_2} podem ser obtidos tanto na ABNT/NBR: 6118 (2014) quanto na ABNT/NBR: 8681 (2004) e para cargas acidentais valem:
Situação | \mathrm{\psi_2} |
Locais em que não há predominância de pesos e de equipamentos que permanecem fixos por longos períodos de tempo, nem de elevadas concentrações de pessoas | 0,3 |
Locais em que há predominância de pesos de equipamentos que permanecem fixos por longos períodos de tempo, ou de elevadas concentrações de pessoas | 0,4 |
Bibliotecas, arquivos, depósitos, oficinas e garagens | 0,6 |
Ou seja, para obras residenciais, o carregamento utilizado na verificação da deformação excessiva deve ser o valor característico das cargas permanentes somando com o valor característico das cargas acidentais minorados por 0,3. Logo, para verificar os estados limites acima apresentados é necessário apenas calcular a flecha da laje devido a esse carregamento. A flecha máxima pode ser calculada através da equação diferencial da linha elástica.
As lajes nervuradas, conforme comentado em posts anteriores, usualmente são consideradas como simplesmente apoiadas e submetidas a carregamentos distribuídos ao longo de todo o vão. Dessa forma é possível obter o máximo deslocamento apresentado na laje pela equação abaixo:
\mathrm{\delta = \dfrac{5 \cdot p \cdot L^4}{384 \cdot E \cdot I}}
Modelo de Branson
Conforme estudado nos estádios de deformação do concreto armado a inércia de uma seção submetida a flexão simples pode variar drasticamente devido ao efeito da fissuração.
Mesmo o momento máximo atuante superando o momento de fissuração, tal solicitação só estará aplicada em algumas seções do elemento. Logo, as seções ao longo de toda a peça estarão trabalhando entre os estádios I e II. A norma brasileira ABNT/NBR: 6118 (2014) sugere o modelo de Branson (1968) para obter uma inércia equivalente para todo elemento a fim de considerar o efeito de fissuração:
\mathrm{I_{eq} = \left(\dfrac{M_r}{M_a} \right)^3 \cdot I_I + \left[ 1 - \left(\dfrac{M_r}{M_a} \right)^3 \right]\cdot I_{II}}
Efeito da fluência
Além da flecha imediata é necessário considerar as flechas surgidas pelo efeito da fluência. Esse efeito é caracterizado pelas deformações apresentadas ao longo do tempo por um elemento solicitado por uma tensão constante.
A norma brasileira recomenda o cálculo da flecha diferida no tempo pela multiplicação da flecha imediata por um fator \mathrm{\alpha_f}:
\mathrm{\alpha_f = \dfrac{\Delta \xi}{1+ 50 \cdot \rho '}}
Onde:
\mathrm{\rho ' = \dfrac{As'}{b \cdot d}}
\mathrm{\Delta \xi = \xi \left( t \right) -\xi \left( t_0 \right)}
\mathrm { \xi (t) = \left\{ \begin{array}{ll} 0,68 \cdot 0,996^t \cdot t^{0,32}\; se\; t \leq 70 \\ 2\; se\; t\geq 70 \end{array} \right. }
Observe que para valores infinitos de tempo a norma limita o valor de \mathrm{\xi} em 2 devido a equação apresentada acima apresentar um ponto de máximo nesse valor, conforme pode ser observado na figura abaixo.
\mathrm{A_s} – área da armadura de compressão
\mathrm{t} – o tempo, em meses, quando se deseja o valor da flecha diferida
\mathrm{t_0} – a idade, em meses, relativa à data de aplicação da carga de longa duração
Por fim, a flecha diferida no tempo pode ser calculada com utilização da formulação abaixo:
\mathrm{\delta_{t,\infty} = \delta_{t,0} \cdot (1+\alpha_f )}
Obs1: A norma ainda permite compensar os deslocamentos com a aplicação de contraflechas. As mesmas devem ser limitadas a 1 sobre 350 do vão do elemento.
Obs2: É importante observar que a aplicação de Branson e as formulações de fluência não são válidas apenas para lajes nervuradas e podem ser utilizadas para outras seções submetidas a flexão simples.
Exemplo aplicado
Para o desenvolvimento desse exemplo, utilizaremos a mesma laje nervurada que já calculamos a armação utilizada. A mesma vence um vão de 3,0 m, possui enchimento cerâmico de 33 cm de largura por 8 cm de altura e possui 5 cm de capa. Os carregamentos já calculados na publicação anterior são:
Caso você prefira, é possível acompanhar essa resolução também por vídeo:
Carregamento e esforços solicitantes
\mathrm{g_{peso próprio}=0,3075 \; kN/m}
\mathrm{g_{revestimento}=0,45 \; kN/m}
\mathrm{g_{enchimento}=0,4752 \; kN/m}
\mathrm{q=0,675 \; kN/m}
Calculando inicialmente o carregamento quase permanente:
\mathrm{p = 0,3075+0,45+ \cdots}
\mathrm{+ 0,4752+0,3 \cdot 0,6750}
\mathrm{p=1,4352 \; kN/m}
Com esse carregamento temos que verificar o estádio em que a peça se encontra, uma vez que isso irá afetar a inércia da mesma e a flecha apresentada. Para isso, é necessário calcular a razão entre o momento de fissuração e o momento máximo atuante na laje.
\mathrm{M_a= \dfrac{1,4352 \cdot 3^2}{8}}
\mathrm{M_a = 1,6146 \; kN \cdot m = 161,46 \; kN \cdot cm}
Momento de fissuração
Para o cálculo das propriedades das lajes nervuradas pode-se levar em consideração as formulações apresentadas para seções no formato T.
\mathrm { f_{ct,m} = 0,3 \cdot {f_{ck}}^{\frac{2}{3}} = 0,3 \cdot 20^{\frac{2}{3}} }
\mathrm {f_{ct,m} = 2,21 \; MPa = 0,221 \; kN/cm^2}
\mathrm { M_r = \dfrac {\alpha \cdot f_{ct,m} \cdot I} {y_t} }
Área da seção homogeneizada:
\mathrm{A_g=(b_f-b_w) \cdot h_f + b_w \cdot h + \cdots}
\mathrm{+ A_s \cdot (\alpha - 1)}
\mathrm{A_g=(45-12) \cdot 5 + 12 \cdot 13 + \cdots}
\mathrm{+ 0,6 \cdot (9,865 - 1)}
\mathrm{A_g= 326,319 \; cm^2}
Centro de gravidade da seção homogeneizada:
\mathrm{y_{h}= \dfrac{(b_f-b_w) \cdot \dfrac{h_f^2}{2} + b_w \cdot \dfrac{h^2}{2}}{A_h} + \cdots}
\mathrm{+ \dfrac{A_s \cdot (\alpha - 1) \cdot d}{A_h}}
\mathrm{y_{h}= \dfrac{(45-12) \cdot \dfrac{5^2}{2} + 12 \cdot \dfrac{13^2}{2}}{326,319} + \cdots}
\mathrm{+ \dfrac{0,6 \cdot (9,865 - 1) \cdot 10,5}{326,319}}
\mathrm{y_{h}= 4,543 \; cm}
Momento de inércia à flexão da seção homogeneizada:
\mathrm{I_h = \dfrac{(b_f - b_w) \cdot h_f^3}{12} + \dfrac{b_w \cdot h^3}{12} + \cdots}
\mathrm{+ (b_f - b_w) \cdot h_f \cdot (y_h - \dfrac{h_f}{2})^2 + \cdots}
\mathrm{+ b_w \cdot h \cdot (y_h - \dfrac{h}{2})^2 + \cdots}
\mathrm{+ A_s \cdot (\alpha - 1) \cdot (y_h - d)^2}
\mathrm{I_h = \dfrac{(45 - 12) \cdot 5^3}{12} + \dfrac{12 \cdot 13^3}{12} + \cdots}
\mathrm{+ (45 - 12) \cdot 5 \cdot (4,543 - \dfrac{5}{2})^2 + \cdots}
\mathrm{+ 12 \cdot 13 \cdot (4,543 - \dfrac{13}{2})^2 + \cdots}
\mathrm{+ 0,6 \cdot (9,865 - 1) \cdot (4,543 - 10,5)^2}
\mathrm{I_h = 4015,641 \; cm^4}
Como a formulação de \mathrm{y_h} fornece a distância do centro de gravidade para o topo da seção e na equação do \mathrm{M_r} o \mathrm{y_t} significa a distância do centro de gravidade à fibra mais tracionada, devemos calcular o valor do mesmo (lembrando que a fibra mais tracionada encontra-se na face inferior, uma vez que a seção está solicitada a um momento fletor positivo):
\mathrm{y_t = 13 - 4,543 = 8,457 \; cm}
\mathrm { M_r = \dfrac {\alpha \cdot f_{ct,m} \cdot I} {y_t} }
\mathrm { M_r = \dfrac {1,2 \cdot 0,221 \cdot 4015,641} {8,457}}
\mathrm { M_r = 125,925 \; kN \cdot cm}
Cálculo da inércia equivalente
Como o momento solicitante foi superior ao momento de fissuração, devemos corrigir a inércia da peça através da formulação de Branson:
\mathrm{I_{eq} = \left(\dfrac{M_r}{M_a} \right)^3 \cdot I_I + \left[ 1 - \left(\dfrac{M_r}{M_a} \right)^3 \right]\cdot I_{II}}
Para isso é necessário calcular antes a inércia no estádio II puro. Iniciando pela altura da linha neutra:
\mathrm{a= \dfrac{b_w}{2}}
\mathrm{a= \dfrac{12}{2} = 6}
\mathrm{b = h_f \cdot (b_f - b_w) + \cdots}
\mathrm{+ \alpha_e \cdot A_s}
\mathrm{b = 5 \cdot (45 - 12) + \cdots}
\mathrm{+ 9,865 \cdot 0,6}
\mathrm{b = 170,919}
\mathrm {c = - d \cdot \alpha_e \cdot A_s - \dfrac{h_f^2}{2} \cdot (b_f - b_w) }
\mathrm {c = - 10,5 \cdot 9,865 \cdot 0,6 - \dfrac{5^2}{2} \cdot (45 - 12) }
\mathrm {c = - 474,65 }
\mathrm{x_{II} = \dfrac{-b \pm \sqrt{b^2 - 4 \cdot a \cdot c}}{2 \cdot a}}
\mathrm{x_{II} = \dfrac{-170,919}{2 \cdot 6}} + \cdots
\mathrm{\pm \dfrac{ \sqrt{170,919^2 - 4 \cdot 6 \cdot (-474,65)}}{2 \cdot 6}}
\mathrm { x_{II} = \left\{ \begin{array}{ll} 2,549 \; cm \\ -31,035 \; cm \end{array} \right. }
Partindo agora para o cálculo do momento de inércia para o estádio II puro:
\mathrm{I_{II} = \dfrac{b_f \cdot x_{II}^3}{3} + \alpha_e \cdot A_s \cdot (x_{II}-d)^2}
\mathrm{I_{II} = \dfrac{45 \cdot 2,549^3}{3} + \cdots}
\mathrm{+ 9,865 \cdot 0,6 \cdot (2,549-10,5)^2}
\mathrm{I_{II} = 622,62 \; cm^4}
A partir dos momento atuante máximo, momento de fissuração, inércia no estádio I e inércia no estádio II puro, é possível calcular uma inércia equivalente para todo o elemento:
\mathrm{I_{eq} = \left(\dfrac{125,93}{161,46} \right)^3 \cdot 4015,64 + \cdots}
\mathrm{+ \left[ 1 - \left(\dfrac{125,93}{161,46} \right)^3 \right]\cdot 622,62}
\mathrm{I_{eq}= 2233,51 \; cm^4}
Cálculo da flecha imediata
\mathrm{\delta = \dfrac{5 \cdot p \cdot L^4}{384 \cdot E \cdot I_{eq}}}
\mathrm{ \delta = \dfrac{5 \cdot 0,014352 \cdot 300^4}{384 \cdot 2128,74 \cdot 2233,51}}
\mathrm{ \delta = 0,32 \; cm}
Cálculo da flecha diferida no tempo
Analisando agora o fenômeno da fluência. Para o mesmo não será considerada a armação comprimida, o tempo de aplicação das cargas igual a 7 dias e o tempo final igual no limite acima de 70 meses:
\mathrm{t_0 = \dfrac{7}{30} = 0,23 \; meses}
\mathrm{t_{\infty} = 70 \; meses}
\mathrm{\xi (t_0) = 0,68 \cdot 0,996^t \cdot t^{0,32}}
\mathrm{\xi (0,23) = 0,68 \cdot 0,996^{0,23} \cdot {0,23}^{0,32}}
\mathrm{\xi (0,23) = 0,42}
\mathrm{\Delta \xi = \xi (t_{\infty}) - \xi (0,23)}
\mathrm{\Delta \xi = 2 - 0,42 = 1,58}
\mathrm{\alpha_f = \dfrac{\Delta \xi}{1+ 50 \cdot \rho '}}
\mathrm{\alpha_f = \dfrac{1,58}{1+ 50 \cdot 0} = 1,58}
Com o valor de \mathrm{\alpha_f} calculado é possível calcular a flecha diferida no tempo a partir da flecha imediata:
\mathrm{\delta_{t,\infty} = \delta_{t,0} \cdot (1+\alpha_f )}
\mathrm{\delta_{t,\infty} = 0,32 \cdot (1+1,58 )=0,83 \; cm}
Comparação com os deslocamentos limites
O valor de 0,83 cm seria o valor do máximo deslocamento vertical apresentado pela laje já considerando os efeitos da fissuração e da fluência. Observe que esse valor deve ser comparado com o deslocamento limite:
\mathrm{\delta_{lim} = \dfrac{L}{250} = \dfrac{300}{250} = 1,2 \; cm}
Para esse problema a laje respeitou a condição de deformação excessiva. É importante lembrar que ainda teríamos o recurso de aplicar uma contraflecha limitada a 0,85 cm (300/350) caso a laje apresentasse uma flecha um pouco superior ao limite admissível.
Nesse post você aprendeu a calcular os deslocamentos apresentados por lajes nervuradas considerando os efeitos da fissuração e da fluência e compara-los com os limites admissíveis na norma brasileira.
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