Reatores UASB: entenda seu funcionamento

Pelo menos uma vez na graduação você já ouviu falar sobre os reatores UASB e, provavelmente, achou isso tudo muito confuso.

Não sei se isso já aconteceu com você, mas comigo definitivamente aconteceu.

Então, pensando em resolver seus problemas, no post de hoje iremos estudar tudo sobre os reatores UASB, pra que servem, como efuncionam e, pra não faltar nada, quais são seus parâmetros de projeto.

Pois bem, UASB vem da sigla para Upflow Anaerobic Sludge Blanket Reactor, que em português significa Reator Anaeróbico de Manta de Lodo de Fluxo Ascendente.

Deixando os termos técnicos de lado, UASB nada mais é do que um reator usado no tratamento de esgoto por meio de lodo formado por colônias de microorganismos anaeróbios, responsáveis pela degradação da matéria orgânica do esgoto.

Mas antes, para que possamos entender como funcionam os reatores UASB, precisamos entender primeiramente como esses microorganismos anaeróbios fazem a digestão da matéria orgânica.

Ah, e caso você tenha interesse em se aprofundar nessa área, recomendo a aquisição do livro Reatores Anaeróbicos de Chernicharo.

Agora vamos lá?

Digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia é um processo biológico de decomposição de matéria orgânica que, através do metabolismo dos microorganismos anaeróbios, é convertida em lodo biológico, líquido e gases.

Essa digestão ocorre em 5 etapas básica, que são apresentadas a seguir.

Processos metabólicos

A digestão anaeróbia de compostos orgânicos complexos é, normalmente, considerada um processo de dois estágios:

  • no primeiro, um grupo de bactérias facultativas e anaeróbias chamadas de fermentativas convertem compostos orgânicos complexos em substâncias orgânicas mais simples, principalmente, ácidos voláteis;
  • no segundo, ocorre a conversão dos ácidos orgânicos em produtos finais gasosos como o metano e o gás carbônico, por um grupo especial de arqueas chamadas de metanogênicas.

Esses estágios que compõem os processos metabólicos ocorrem em etapas sequências: a hidrólise, a acidogênese, a acetogênese, a metanogênese, e ainda, podendo ocorrer a sulfetonogênese. Veremos agora cada uma dessas etapas.

Hidrólise

Nessa etapa, há a quebra de compostos orgânicos complexos em compostos solúveis mais simples, através de enzimas extracelulares excretadas pelas bactérias.

Para temperaturas abaixo de 25 ºC, a hidrólise pode limitar a velocidade da digestão anaeróbia.

Acidogênese

Na acidogênese, as bactérias fermentativas (Clostridium e Bacteroids) metabolizam na forma intracelular os produtos solúveis resultantes da hidrólise, que são convertidos em compostos orgânicos simples.

Os principais produtos formados nessa etapa são ácido propiônico, butírico, valérico, isovalérico, capróico, acético, láctico, dióxido de carbono, ácido sulfídrico, hidrogênio, além de novas células bacterianas. E é essa grande quantidade de ácidos que dá nome a essa etapa.

Acetogênese

Na acetogênese, os produtos formados na etapa anterior são transformados em substrato apropriado para as Archaeas metanogênicas, como o hidrogênio e o acetato.

Os produtos formados durante essa fase são hidrogênio, dióxido de carbono e principalmente acetato.

Metanogênese

Nessa etapa, as arqueas metanogênicas produzem metano a partir do acetato ou a partir do dióxido de carbono.

O metano formado nessa etapa é insolúvel na água, sendo liberado para a fase gasosa e o dióxido de carbono, por ser relativamente solúvel em água, é liberado apenas parcialmente para a fase gasosa.

Essa etapa é limitante da velocidade de digestão, desde que a temperatura do esgoto seja superior a 25 ºC.

Sulfetonogênese

Essa última etapa ocorre somente para esgotos que contenha compostos de enxofre passam.

Nela, sulfatos, sulfitos e outros compostos sulfurados são reduzidos a sulfetos, devido à ação das bactérias  sulforedutoras.

Para ficar ainda mais claro, abaixo está apresentado um esquema das fases da digestão anaeróbia.

Etapas da digestão anaeróbia do esgoto

Reatores UASB

Os reatores UASB, diferentemente de meios aeróbios convecionais de tratamento de esgoto, são muito mais compactos e baratos, além de que exigem áreas muito menores para seu funcionamento.

Além disso, os reatores anaerobios UASB são mais eficientes que outros reatores anaeróbios de baixa taxa, como o tanque séptico.

No entanto, esses reatores não podem ser usados isoladamente para o tratamento definitivo do esgoto. Isso porque ele não é capaz de remover patógenos, nem alguns nutriente como o nitrogênio e fósforo.

Como solução, recomenda-se o uso de reatores UASB conjuntamente com lagoas de polimento.

Na tabela a seguir, estão esquematizadas as principais vantagens e desvantagens do uso desse tipo de reator para o tratamento do esgoto.

Tabela 1 – Vantagens e desvantagens dos reatores UASB
Vantagens Desvantagens
Baixa produção de lodo Baixa capacidade de remoção de nitrogênio, fósforo e patógenos
Baixa demanda de área e de energia Normalmente é necessário um pós-tratamento para o efluente
Baixo custo de implantação e operacional A partida do processo pode ser lenta, na ausência de lodo de semeadura adaptado
Produção de gás combustível (metano) Maior tempo de detenção hidráulica
Preservação da biomassa, sem alimentação do reator Possibilidade de geração de maus odores e de corrosão.
Aplicabilidade em pequena e grande escala Eficiência em torno de 65% de remoção de DBO
Tolerância a elevadas cargas orgânicas Baixa velocidade do crescimento de arqueas metanogênicas

Veremos agora como os reatores UASB funcionam.

Configuração básica

Vejamos abaixo o esquema de um reator UASB e, a seguir, o principais componentes que garantem o funcionamento desse reator.

Componentes internos de um reator UASB
Componentes internos de um reator UASB

Fluxo ascendente

De maneira geral, o reator UASB é formado por um tanque alimentado com entrada na farte inferior e com saída pela parte superior, por isso é chamado de reator de fluxo ascensional.

Pois bem, após a entrada do esgoto, passa a desenvolver no interior do reator as colônias de microorganismos inoculados, que com o passa do tempo começam a formar grânulos de alta atividade microbiológica que ficam suspensos no líquido, por isso o nome de tratamento de alta taxa.

São esse grânulos, também chamados de manta de lodo, que são responsáveis pela degradação da matéria orgânica presente no esgoto.

Isso ocorre porque o fluxo ascensional promove a mistura dos resíduos orgânicos com os grânulos e, em razão disso, é promovida a estabilização da matéria orgânica ao longo do leito e da manta de lodo.

 Separador trifásico

Vimos anteriormente que, durante essa digestão, há formação de gases como o metano e o gás carbônico. Como será que o UASB recolhe esses gases?

A resposta para isso está no defletor de gases, localizado abaixo do decantador, que promove a separação entre o líquido e os gases e evitam também que partículas de lodo sejam arrastadas para fora do sistema.

Dessa forma, os gases separados pelo defletor são convergidos para o separador trifásico e, em seguida, é coletado.

Decantador

Separado os gases resultantes da digestão, o esgoto tratado  do esgoto é encaminhado para o decantador, que possui um fundo inclinado para a decantação das partículas do efluente, que retornam ao reator por ação da gravidade.

Por fim, o efluente é liberado do reator pela parte superior.

Parâmetros de projeto

Nesse item, iremos apresentar os principais parâmetros de projeto no dimensionamento de reatores UASB, usados para o tratamento do esgoto doméstico.

Carga orgânica volumétrica

Carga orgânica volumétrica é a quantidade de matéria orgânica (massa) aplicada diariamente ao reator, por unidade de volume.

A carga orgânica volumétrica depende muito da quantidade de biomassa retida no sistema e da atividade metanogênca e geralmente fica na faixa de até 15 kgDQO/m³.d.

\mathrm{COV=\dfrac{Q.S}{V}}

Onde:

  • COV é a carga orgância volumétrica (kgDQO/m³.d);
  • Q é  a vazão (m³/d);
  • S é a concentração do substrato efluente (kgDQO/m³);
  • V é o volume total do reator (m³).

Tempo de detenção hidráulica

Esses termo representa o volume de líquido no reator dividido pela vazão de líquido que é retirado do reator e é calculado por:

\mathrm{TDH=\dfrac{V}{Q}}

Onde:

  • TDH é o tempo de detenção hidráulica (h);
  • Q é a vazão (m³/d);
  • V é o volume total do reator (m³).

Tabela 2 – TDH em reatores UASB

Temperatura do esgoto (°C) TDH (h)
Média diária Mínimo
16 – 19 10 – 14 7 – 9
20 – 26 6 – 9 4 – 6
> 26 < 6 < 4

Carga hidráulica volumétrica

Carga hidráulica volumétrica é definida como o inverso do tempo de detenção hidráulica.

O critério indicado é de que a carga hidráulica volumétrica deve ser inferior a 5,0 m³/m³.d (equivalente a um TDH de 4,8 h).

\mathrm{CHV=\dfrac{Q}{V}=\dfrac{1}{TDH}}

Onde:

  • CHV é a carga hidráulica volumétrica (m³/m³.d).

Carga biológica

A carga biológica é definida como a quantidade de matéria orgânica aplicada ao reator, por unidade de biomassa presente no mesmo.

O critério indicado é o de utilizar carga biológica entre 0,05 e 0,15 KgDQO/kgSVT.d na partida do UASB e, atingido o regime permanente, pode atingir valores em torno de 2,0 kgDQO/kgSVT.d .

\mathrm{CB=\dfrac{Q.S}{M}}

Onde:

  • CB é a carga biológica (kgDQO/kgSVT.d);
  • Q é a vazão (m³/d);
  • S é a concentração de substrato efluente (kgDQO/m³);
  • M é a quantidade de biomassa (kgSVT/m³).

Velocidade ascensional de fluxo

A velocidade ascensional de fluxo é a relação entre a vazão ascensional e a seção transversal do  reator.

\mathrm{v=\dfrac{Q}{A}=\dfrac{H}{TDH}}

Onde:

  • v é a velocidade ascensional de fluxo (m/h);
  • Q é a vazão (m³/d);
  • A é a área transversal do reator (m²);
  • TDH é o tempo de detenção hidráulica (d);
  • H é a altura do reator (m).

Tabela 3 – Velocidade ascensional para determinadas faixas de vazão

Vazão efluente Velocidade ascensional para o lodo floculento Velocidade ascensional para o lodo granular
Vazão média 0,5 – 0,7 6 -10
Vazão máxima  1,1
Picos temporários  1,5

Taxa de aplicação superficial

Para garantir o não carreamento de sólidos para o decantador, indica-se os valores indicados na tabela abaixo.

Tabela 4 – Valores indicados para taxa de aplicação superficial e tempo de detenção hidráulica para o compartimento de decantação

Vazão efluente Taxa de aplicação superficial (m/h) Tempo de detenção hidráulica (h)
Vazão média 0,6 – 0,8 1,5 – 2,0
Vazão máxima < 1,2 > 1,0
Picos temporários < 1,6 > 0,6

 

Então pessoal, esse foi o assunto de hoje e esperamos que esse post tenha ajudado você a entender como os reatores UASB funcionam.

Se você ficou com alguma dúvida, deixe nos comentários abaixo e se gostou, se inscreve aqui no blog e também no nosso canal no YouTube!

 


Fonte:

BARBOSA FILHO, Olavo; COSTA, Ernani S. ; GIORDANO, Gandhi. Reatores anaeróbios de manta de lodo (UASB): uma abordagem concisa. Rio de Janeiro: COAMB/FEN/UERJ, 2014.

PONTES, Patrícia. Reatores UASB aplicados ao tratamento combinado de esgotos sanitários e lodo excedente de filtro biológico percolador. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

RISSOLI, César Augusto. Estudo de parâmetros operacionais do reator UASB tratando esgoto doméstico e avaliação da biodegradabilidade do seu efluente. Brasília: ENC/FT/UnB, 2004.

2 comentários em “Reatores UASB: entenda seu funcionamento”

  1. Dandara bom dia, Estou falando de São Paulo. Primeiramente parabéns pelo trabalho. Estou elaborando uma planilha de cálculo um exercício dimensionamento de Agua Fria do Canal. Estou com uma dúvida de onde saiu o valor da pressão disponível de -7,27-1.6*10 esse -7,27 saiu de onde ? se puder me envie seu email que te envio a planilha no excel. Inclusive alguns resultados não deram exatos. Desde já agradeço.

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