Uma das etapas que geram bastante dúvidas durante o detalhamento de vigas de concreto é a etapa da decalagem, em que o modelo de cálculo utilizado até então (equilíbrio da seção) é corrigido. Mas não se preocupe, nesse post você vai aprender de uma vez por todas o necessário para realizar a decalagem.
O que você irá encontrar nesse post:
- o porquê de fazermos a decalagem;
- as considerações da norma sobre o assunto;
- um exemplo prático da aplicação da decalagem.
Antes de partimos para o conteúdo, caso você prefira aprender decalagem através de vídeo, basta conferir abaixo!
Introdução
É importante lembrar que as formulações utilizadas no dimensionamento de vigas de concreto foram obtidas considerando as vigas submetidas à flexão pura, ou seja, sem existência de cisalhamento. Esta consideração não é muito usual, uma vez que, em situações usuais, as vigas estarão submetidas também a cisalhamento.
A fim de considerar o efeito do cisalhamento, vamos utilizar as mesmas considerações realizadas nas verificações de vigas submetidas à cisalhamento. Ou seja, utilizaremos um modelo que representa a viga de concreto a partir de uma treliça, denominada treliça de Mörsch, ilustrada na figura abaixo.
![Método de bielas e tirantes](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/01/metodo-bielas-tirantes.jpg)
Por que fazemos decalagem?
Inicialmente, é importante revisarmos como o modelo de treliça representa uma viga de concreto. Veja abaixo o que cada elemento da treliça simula em uma viga de concreto:
a) o banzo tracionado representa a armadura longitudinal;
b) o banzo comprimido simula o concreto comprimido;
c) a diagonal comprimida representa a biela inclinada;
d) a diagonal tracionada (usualmente disposta na vertical) representa a armadura transversal.
Agora que já entendemos o que cada elemento representa, vamos analisar a extremidade esquerda de uma viga hipotética através de uma treliça.
![Viga representada pela treliça de Mörsch](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/viga-trelica-morsch.jpg)
Agora vamos seccionar a treliça a partir de uma seção SS, em que obteremos a tração na armadura \mathrm{F_{s,B}} no ponto B e a compressão no concreto no \mathrm{F_c} no ponto A.
![Seccionamento da treliça para analisar a decalagem](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/decalagem-viga-explicacao.jpg)
Realizando agora o equilíbrio de momento no ponto A, teremos:
\mathrm{R \cdot 2 \cdot a_l - P \cdot a_l - F_{s,B} \cdot Z=0}
Onde \mathrm{Z} é o braço de alavanca, distância entre o banzo tracionado e o banzo comprimido.
Repare que a parcela \mathrm{R \cdot 2 \cdot a_l - P \cdot a_l} representa o momento fletor na seção em que o ponto A se localiza.
\mathrm{M_{d,A} - F_{s,B} \cdot Z}
\mathrm{F_{s,B} = \dfrac{M_{d,A}}{Z}}
O mais importante de repararmos aqui é que a tração na armadura no ponto B está sendo calculada em uma seção deslocada (mais solicitada), no caso no ponto A.
Decalagem de acordo com a ABNT/NBR: 6118 (2014)
Conforme visto, uma vez que podemos calcular a área de aço de uma seção com base na seção adjacente mais desfavorável, a norma ABNT/NBR: 6118 (2014) propõe solucionar o problema apenas deslocando o diagrama de momento fletor, processo comumente denominado de decalagem.
![Decalagem do diagrama momento fletor](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/diagrama-momento-decalagem.jpg)
Conforme observado na verificação de cisalhamento de vigas de concreto, a norma brasileira utiliza dois modelos de treliça para representar o comportamento de vigas de concreto.
Decalagem no modelo I
Para o modelo I, as diagonais comprimidas estarão dispostas a 45º e a parcela \mathrm{V_c} terá um valor constante. O valor do deslocamento do diagrama de momentos fletores será fornecido pela equação abaixo.
\mathrm{a_l = d \cdot \left[ \dfrac{V_{Sd,máx}}{2 \cdot (V_{Sd,máx} - V_c)} \cdot (1 + cotg \alpha) - cotg \alpha \right] \leq d}
onde:
\mathrm{a_l = d}, para \mathrm{V_{Sd,máx} \leq V_c}. \mathrm{a_l \geq 0,5 \cdot d}, no caso geral; \mathrm{a_l \geq 0,2 \cdot d}, para estribos em 45º.Considerando agora estribos verticais, que é o mais usual, podemos simplificar um pouco a formulação acima.
\mathrm{a_l = d \cdot \left[ \dfrac{V_{Sd,máx}}{2 \cdot (V_{Sd,máx} - V_c)}\right] \leq d}
Decalagem no modelo II
Já no modelo II, o ângulo de inclinação das bielas \mathrm{\theta}, pode variar de 30º a 45º e a parcela complementar \mathrm{V_c} sofrerá redução com o aumento de \mathrm{V_{Sd}}.
\mathrm{a_l = 0,5 \cdot d \cdot (cotg \theta - cotg \alpha)}
onde:
\mathrm{a_l \geq 0,5 \cdot d}, no caso geral; \mathrm{a_l \geq 0,2 \cdot d}, para estribos em 45º.Considerando também os estribos verticais, teremos a equação abaixo.
\mathrm{a_l = 0,5 \cdot d \cdot cotg \theta}
Exemplo aplicado
A fim de aplicar o conceito de decalagem, vamos analisar uma viga contínua, de 14 cm de largura por 30 cm de altura, com dois vãos de 4,0 m, submetida a um carregamento distribuído de 10 kN/m. Utilizaremos um concreto classe C20 e será considerada uma altura útil de 27,5 cm.
![Exemplo com viga contínua](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/viga-continua-exemplo.jpg)
Análise e dimensionamento da viga
Para esse exemplo, iremos analisar apenas o momento negativo localizado na região do apoio central.
Traçando o diagrama momento fletor e o diagrama esforço cortante da viga obtemos um momento negativo de 20 kN.m e um esforço cortante máximo de 25 kN, conforme ilustram as figuras abaixo. Para a resolução desse exemplo a viga foi analisada com utilização do software Ftool.
![Diagrama momento fletor da viga analisada](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/resolucao-viga-continua.jpg)
![Cortante da viga analisada](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/cortante-viga-analisada.jpg)
Utilizando o momento de cálculo de \mathrm{M_{Sd}=1,4 \cdot 20 = 28 \; kN \cdot m} em nossa calculadora de flexão, obtemos uma área de aço de 2,67 cm², conforme ilustra a figura abaixo.
![Resolução pela calculadora de flexão](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/resolucao-decalagem-exemplo.png)
A partir de uma tabela de área de aço por quantidade de barras, utilizaremos 4 barras de 10 mm na seção central, o que resulta em uma área de aço efetiva de 3,2 cm².
Cálculo do valor do deslocamento
Partindo agora para o cálculo de \mathrm{a_l}, temos que decidir o modelo que será utilizado na resolução. Nesse exemplo utilizaremos o modelo I. Vale lembrar que ao utilizarmos o modelo I para o cálculo de \mathrm{a_l}, devemos utilizar o mesmo nas demais verificações, por exemplo: verificações de cisalhamento e verificações de torção.
Inicialmente devemos calcular o valor de \mathrm{V_c}:
\mathrm{V_c = 0,09 \cdot f_{ck} ^{\frac{2}{3}} \cdot b_w \cdot d}
\mathrm{V_c = 0,09 \cdot \dfrac{20 ^{\frac{2}{3}}}{10} \cdot 14 \cdot 27,5 = 25,5 \; kN}
Como \mathrm{V_{Sd,máx} = 1,4 \cdot 25 = 35 > V_c}, vamos prosseguir calculando o valor de \mathrm{a_l}.
\mathrm{a_l = d \cdot \left[ \dfrac{35}{2 \cdot (35 - 25,5)}\right] \leq d}
\mathrm{a_l = 1,84 \cdot d \leq d}
Como o limite de \mathrm{a_l} vale \mathrm{d}, consideraremos \mathrm{a_l = d = 27,5 \; cm}.
Deslocando o diagrama
Agora iremos deslocar o diagrama no valor encontrado de 27,5 cm. Repare que todo o procedimento está sendo realizado graficamente, mas também poderia estar sendo realizado analiticamente a partir das equações do momento fletor.
![Decalagem do diagrama para o momento negativo](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/decalagem-momento-negativo.jpg)
Distribuição de barras de aço
Nesse ponto, já seria possível detalhar as 4 barras de 10 mm cobrindo todo o comprimento em que o diagrama deslocado está negativo. Mas observe que, uma seção deslocada da seção central (seção em que foi obtida o momento máximo e que a área que foi calculada) não requer toda a área de aço calculada (as 4 barras) para essa seção central.
Uma forma de balancear a utilização das armaduras é dividindo o pico do diagrama pelo número de barras. No caso em que encontramos 4 barras de 10 mm, a ordenada do momento fletor será dividida em 4 espaços, conforme ilustra a figura abaixo.
![](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/divisao-diagrama-decalagem.jpg)
Assim, teremos uma barra para cada comprimento azul ao invés de 4 barras com o comprimento maior. Além do comprimento obtido até aqui ainda devemos acrescentar ainda o comprimento de ancoragem, mas isso é assunto para outro post.
A fim de aliar economia de aço com exequibilidade do serviço, vamos considerar apenas dois grupos de armadura, conforme apresentado na figura abaixo.
![Comprimento das barras a partir da decalagem](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/comprimento-barras-decalagem.jpg)
Dessa forma, obteremos os detalhamentos transversais apresentados na figura abaixo, em que o corte A mostra o trecho em que estão presentes apenas duas barras de 10 mm e o corte B mostra o trecho em que encontra-se quatro barras de 10 mm.
![Detalhamento resultado da decalagem](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/detalhamento-transversal-decalagem.jpg)
Automatização com softwares
Em softwares de cálculo, devemos ter uma atenção maior com a parte de análise estrutural, uma vez que o dimensionamento e o detalhamento são realizados de forma automática. A figura abaixo ilustra uma decalagem automática do software TQS.
![Decalagem automática gerada pelo software TQS](https://www.guiadaengenharia.com/wp-content/uploads/2019/10/decalagem-software-tqs.png)
Se você se interessou por esse conteúdo, quero convidar você para conferir o curso Essencial em Concreto Armado do professor Rangel Lage em que você irá aprender a utilizar o software TQS (na minha opinião, o melhor software do mercado) passando por TODAS as etapas (desde a concepção estrutural até elaboração das pranchas) necessárias para o desenvolvimento de um projeto completo.
Recado final
Nesse post você aprendeu o conceito de decalagem e como distribuir as barras realizando economia na obra. Se você gostou desse texto ou se ainda possui alguma dúvida, deixe uma mensagem nos comentários abaixo!
Fonte:
ARAÚJO, J. M. Curso de Concreto Armado. Rio Grande: Editora Dunas, 2014. v. 1
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – Procedimento. Rio de Janeiro, 2014.
CARVALHO, R. C.; FIGUEIREDO FILHO, J. R. Cálculo e Detalhamento de Estruturas Usuais de Concreto Armado Segundo a NBR 6118:2014. São Carlos: EdUFSCar, 2014.
![José de Moura](http://www.guiadaengenharia.com/wp-content/plugins/a3-lazy-load/assets/images/lazy_placeholder.gif)
Gostaria de ter acesso a um curso sobre modelagem de alvenaria estrutural no Revit?
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Muito boa explicações! para bens.
Muito obrigado pelo comentário, Albino!
Muito boa a explicação. Obrigado!
Você possui alguma aula que trata do calculo de Vc para viga submetidas a flexo compressão? (Quando Vc = Vc0 (1 + M0/Msd,max) para o modelo I).
Não encontro material sobre esse assunto em lugar algum, nem para figas com flexo compressão quanto para vigas protendidas.
Obrigado e parabéns pelo trabalho!
E ai, Robson,
No momento não tenho nada escrito sobre vigas submetidas a flexo-compressão
Mas no futuro escreverei
Abraços!
Gostei muito das suas explicações e de sei jeito paciencioso de explicar ,meus parabéns
Muito obrigado, Marcos!
José, que objetivo seu post!! E mais ainda o esquema que ilustra os comprimentos de barras no momento negativo. Meus parabéns. Procurei no google o conceito de decalagem na engenharia civil e apareceu esse seu post logo no 3º link após as apostilas de concreto armado do prof Dr. Paulo José Bastos da Unesp Bauru, que é uma leitura bem mais densa para quem quer se aprofundar um pouco. Novamente, obrigado, e parabéns!!
Fico muito feliz que tenha ajudado, João.
Forte abraço!